sábado, 31 de março de 2012

A QUEM INTERESSA O NOVO CÓDIGO FLORESTAL?

CAROS AMIGOS / SBPC
http://www.sbpcpe.org/index.php?dt=2012_03_15&pagina=noticias&id=07156


A QUEM INTERESSA O NOVO CÓDIGO FLORESTAL?
Fonte: Eliane Parmezano, Revista Caros Amigos
Projeto que deve ser votado nesta semana continua provocando polêmicas

O relator da proposta do novo Código Florestal, deputado federal Paulo Piau, do PMDB de Minas Gerais, assegura que dois pontos ainda estão distantes de um entendimento entre os parlamentares: a aplicação do novo código na área urbana e a consolidação das propriedades situadas nas Áreas de Preservação Permanente (APPs). A ruidosa bancada ruralista insiste em retomar a Emenda 164, aprovada na Câmara antes do projeto ser modificado no Senado, que prevê a consolidação de todas as APPs até que o órgão ambiental apresente estudos mostrando aquelas que não poderão ser mantidas.

APPs

Apesar de ter divulgado na última quarta-feira (7/3), um quadro preliminar com as alterações propostas ao Substitutivo do Senado Federal, a consolidação das APPs ainda é um entrave ao Ministério da Agricultura. “Basicamente, se acatada a consolidação das APPs vamos expulsar mais gente do campo”, diz Piau. E acrescenta: “É preciso lembrar que quem deu conta da economia em 2011 foi o setor agropecuário, já que o setor industrial enfrentou uma crise.”

Entre controvérsias em relação a diversos pontos críticos apontados por entidades científicas e ambientalistas e o discurso da bancada ruralista, o relator reproduz o discurso defendido pelo setor do agronegócio. “Com menos da metade da área produtiva brasileira disponível para o cultivo, nós não teremos o que comer. Além disso, produzindo menos no Brasil obrigatoriamente será aumentado o índice de importação.”

SBPC

Não é o que diz o documento entregue no último dia 27 de fevereiro pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Academia Brasileira de Ciência (ABC), ao parlamentar, indicando pontos que precisam e que ainda estão em tempo de ser alterados antes de o projeto ser votado pela Câmara e chegar à decisão presidencial.

Para início de conversa, nas palavras do Secretário da SBPC, José Antônio Aleixo da Silva, o “argumento de que preservar/conservar o meio ambiente é incompatível com o aumento da produtividade agrícola não tem sustentação científica.” Os grandes problemas, segundo ele, são os latifúndios improdutivos, as monoculturas, que, para serem plantadas, exigem desmatamentos de extensas áreas, realizados muitas vezes sem autorizações dos órgãos ambientais, ou seja, ilegalmente.
Com o passar do tempo, continua Aleixo, essas monoculturas esgotam os solos e, sem práticas agrícolas adequadas, a produtividade é reduzida. Como consequência, novas áreas são desmatadas e o ciclo vicioso se reinicia. Assim, extensas áreas são abandonadas, ficando expostas à insolação, ventos e outros fenômenos climáticos que seriam atenuados pela presença de vegetação. São áreas predispostas a processos erosivos que, se margearem cursos d’água, trarão maiores prejuízos ambientais.

Pecuária extensiva

Outro fator a ser considerado, talvez o mais importante de todos, refere-se à pecuária extensiva e ineficiente com a ocupação territorial de aproximadamente um animal por hectare. Nessa pecuária, que ocupa em torno de dois terços das áreas agrícolas disponíveis no país, um aumento da produtividade poderia liberar cerca de 60 milhões de hectares para a agricultura, praticamente dobrando a área agrícola atual, completa o pesquisador.

Mas, segundo o relator do novo Código Florestal, por mais contraditório que pareça, no Brasil é mais fácil abrir área nova para o cultivo de alimentos do que reaproveitar áreas antigas. “O reaproveitamento de áreas antigas implica em maior investimento com tecnologia, com insumos e acaba saindo mais caro.”

Para “amenizar” o impacto ambiental que isso implica, “estamos por implantar uma política de ‘baixo carbono’ aos pecuaristas, de maneira a incentivar que prevaleça mais madeira plantada no terreno e o cultivo de culturas como o arroz, o feijão...” Mesmo assim, Piau reconhece que “para a nossa geração, não precisamos mais abrir áreas novas para a produção de alimentos.”

“Os elevados custos seriam evitados se práticas agrícolas sustentáveis tivessem sido consideradas nos plantios e conduções das monoculturas”, diz o Secretário da SBPC, José Aleixo. “O aumento da produtividade poderia liberar cerca de 60 milhões de hectares para a agricultura, praticamente dobrando a área agrícola atual.”

Áreas de encostas e reservas legais

Pelo Código Florestal em vigor, o desmatamento de encostas entre 25 e 45 graus não é permitido. O novo código permite atividades rurais consolidadas nessa angulação. O pastoreio nessas áreas, que englobam uma parcela significativa do território nacional - é característico do relevo brasileiro não apresentar morros e encostas muito íngremes - provoca erosão e aumenta a chance de deslizamento de terra.

Paulo Piau defende, em relação a este ponto, que é preciso considerar que o capim nativo tem baixa produtividade e que o pasto cultivado apresenta maior produção. “Em questões agronômicas, [proibir o desmatamento de encostas entre 25 e 45 graus] é inviável por motivos de ordem técnica.”
Além disso, pelo novo Código Florestal, pequenas propriedades rurais definidas como as de até quatro módulos fiscais (de 20 a 440 hectares) ficam isentas de restaurar suas Reservas Legais. Segundo a SBPC e a ABC, tal definição irá abranger mais de 90% das propriedades rurais brasileiras, que serão desobrigadas de restaurar suas Reservas Legais.

O professor José Aleixo explica que o conceito de pequena propriedade rural não pode ser linear para todo o país. “Por exemplo, 440 hectares podem representar uma pequena propriedade em Corumbá, Mato Grosso do Sul, ou essa mesma área na região Amazônica, mas certamente é uma grande propriedade em outras regiões do país, pois a maioria das propriedades brasileiras se enquadra dentro dessa amplitude territorial (de 20 a 440 hectares).”

“Um produtor rural que desejar vender somente 400 hectares de sua propriedade na região Amazônica vai realmente estar proibido de vender só uma parte de sua propriedade? Isto vai caracterizar fracionamento de área? Não sei, é pagar para ver. Mesmo que não aconteça, a somatória de desmate de áreas com quatro módulos fiscais poderá resultar em uma grande área passível de desmatamento no país, isso sem considerar as funções ecológicas das Reservas Legais. Adicionando as chamadas áreas consolidadas, o prejuízo ambiental será bem maior, grandes áreas desmatadas e alterações climáticas poderão resultar em diminuição da própria produtividade agrícola”, conclui.

Mangues

Segundo o artigo oitavo, parágrafo segundo, do novo Código Florestal, “autorizam-se obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda”.
Para a SBPC e ABC, se a função ecológica de uma área de manguezal estiver comprometida, ela deve ser recuperada, uma vez que grande parte dos manguezais contaminados tem elevados índices de metais pesados e petróleo. Essas entidades alegam que manter populações de baixa renda nesses locais seria imoral.

Se a função ecológica do manguezal está comprometida, diz José Aleixo, “certamente o sustento das populações de baixa renda que são compostas, principalmente, de pescadores que vivem do mangue, também vai estar comprometido por não terem o que pescar. Então essa população de baixa renda vai sobreviver como? Uma saída óbvia é vender as moradias para a população de alta renda, que pode construir residências de finais de semana, o que vai aumentar a especulação imobiliária e, certamente, irá destruir ainda mais os manguezais. O destino dessas populações de baixa renda será periferias das grandes cidades, gerando populações marginalizadas, outro sério problema de ordem social.”

Anistia a ruralistas e consolidação de APPs

Os aspectos que suscitam maior polêmica da nova lei referem-se à anistia aos proprietários rurais que desmataram ilegalmente APPs antes de 22 de julho de 2008, data limite para a inserção do termo “áreas rurais consolidadas”; e à diminuição em área restaurada ao longo de rios – a restauração da vegetação das APPs passará de 30 metros em rios com até 10 metros de largura para apenas 15 metros nas áreas rurais consolidadas, e as APPs atualmente contabilizadas a partir do leito maior (sazonal), com o novo código, serão contabilizadas a partir do leito regular.
“Assim como em qualquer outro lugar do mundo, aqui o processo é histórico, a ocupação tende a vir pelos rios e não foi diferente no Brasil. Então, o que vamos fazer para não expulsar nenhum produtor do campo? Como dar proteção ao meio ambiente e não trazer para a cidade mais produtores rurais? É o que defende a bancada ruralista”, alega o relator da proposta. “O produtor rural no Brasil poderá ser uma espécie em extinção, como já é na Europa e nos Estados Unidos”.

Movimentos pedem o veto do novo Código

Mesmo com o adiamento da votação da proposta para o novo Código Florestal, as organizações ambientalistas e movimentos camponeses não acreditam que os problemas no texto poderão ser superados pelos deputados.

As mulheres da Via Campesina, mobilizadas em todo o Brasil na jornada de lutas em torno do Dia Internacional de Lutas das Mulheres, 8 de março, pedem o veto às mudanças no Código Florestal, em carta à presidenta Dilma Rousseff.

Elas resgatam o compromisso assumido pela candidata pelo PT, durante as eleições, de impedir a aprovação de leis que criem condições para a ampliação do desmatamento. O texto pede que a “decisão deve ser acompanhada de um conjunto de medidas que facilitem a aplicação da legislação hoje em vigor sem penalizar a agricultura familiar e camponesa, premiando aqueles que cumpriram a lei, incentivando os demais a cumpri-la e diferenciando a ação histórica daqueles que avançaram sobre as florestas cientes de que estavam cometendo crime ambiental”.

Em outro trecho, solicita medidas “que melhorem o processo de averbação de Reserva Legal, de compensação e recuperação de passivos, acompanhados de um robusto plano de financiamento e apoio técnico à recomposição florestal e bom manejo de áreas florestais - inclusive para uso econômico, aliado com uma verdadeira Reforma Agrária”.

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