sexta-feira, 6 de julho de 2012

Ditadura destruiu mais de 19 mil documentos secretos

IHU - UNISINOS
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Ditadura destruiu mais de 19 mil documentos secretos

Guardado em sigilo por mais de três décadas, um conjunto de 40 relatórios encadernados detalha a destruição de aproximadamente 19,4 mil documentos secretos produzidos ao longo da ditadura militar (1964-1985) pelo extintoSNI (Serviço Nacional de Informações).
A reportagem é de Rubens Valente e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 02-07-2012.

As ordens de destruição, agora liberadas à consulta pelo Arquivo Nacional de Brasília, partiram do comando do SNI e foram cumpridas no segundo semestre de 1981, no governo de João Baptista Figueiredo (1979-1985).

Do material destruído, o SNI guardou apenas um resumo, de uma ou duas linhas, que ajuda a entender o que foi eliminado.

Entre os documentos, estavam relatórios sobre personalidades famosas, como o ex-governador do Rio Leonel Brizola(1922-2004), o arcebispo católico dom Helder Câmara (1909-1999), o poeta e compositor Vinicius de Moraes(1913-1980) e o poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999).

Alguns papéis podiam causar incômodo aos militares, como um relatório intitulado "Tráfico de Influência de Parente do Presidente da República". O material era relacionado ao ex-presidente Emílio Garrastazu Médici, que governou de 1969 a 1974. 

Outros documentos destruídos descreviam supostas "contas bancárias no exterior" do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros ou a "infiltração de subversivos no Banco do Brasil". 

Boa parte dos documentos eliminados trata de pessoas mortas até 1981. A análise dos registros sugere que o SNI procurava se livrar de todos os dados de pessoas mortas, talvez por considerar que elas não eram mais de importância para as atividades de vigilância da ditadura.
LEGISLAÇÃO
Algumas das ordens de destruição foram assinadas pelo general Newton Cruz, que foi chefe da agência central do SNI entre 1978 e 1983. 

Em entrevista por telefone realizada na semana passada, Cruz, que está com 87 anos, disse que não se recorda de detalhes das destruições. Mas afirmou ter "cumprido a lei da época". 

A legislação em vigor nos anos 80 abria amplo espaço para eliminações indiscriminadas de documentos. Baixado durante a ditadura, o Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos, de 1967, estabelecia que materiais sigilosos poderiam ser destruídos, mas não exigia motivos objetivos. 

Bastava que uma equipe de três militares decidisse que os papéis eram inúteis como dado de inteligência militar. 

A prática da destruição de papéis sigilosos foi adotada por outros órgãos estatais. 

Como a Folha revelou em 2008, pelo menos 39 relatórios secretos do Exército e do extinto Emfa (Estado-Maior das Forças Armadas) foram incinerados pela ditadura entre o final dos anos 60 e o início dos 70. 

Segundo quatro "termos de destruição" arquivados pelo CSN (Conselho de Segurança Nacional), órgão de assessoria direta do presidente da República, foram queimados documentos nos anos de 1969 e 1972. 

'Foi tudo de acordo com a lei', diz general que chefiava o extinto SNI

O general da reserva Newton Cruz, que chefiou a agência central do SNI (Serviço Nacional de Informações) na época da destruição dos papéis, diz não se recordar do ato, mas afirma ter seguido a legislação em vigor. 

"Foi tudo de acordo com a lei da época. O SNI existia para assessorar o presidente da República na política do governo. É um órgão de informação, e a informação nascia de um processamento doutrinariamente resolvido. Ele cumpriu o papel dele e terminou aí", afirmou. 

Para o general, documentos produzidos a partir de informantes do SNI deveriam ser todos destruídos. 

"Documento foi destruído para você não deixar aparecer pessoas que não tinham nada [a ver] com o problema, mas que tinham sido informantes e que tinham entrado no problema sob a garantia do sigilo profissional. Esses não podiam ir adiante." 

Cruz disse "ter o maior interesse" na divulgação dos atos que assinou: "Pode vir à tona à vontade". 

Para ele, a história do combate à guerrilha do Araguaia (1972 a 1974) foi "foi escondida" pelas Forças Armadas, mas "foi um esconderijo burro". Na época, ele era adido militar na Bolívia e disse ter tomado conhecimento da guerrilha só anos depois. 

"Se você está combatendo uma guerrilha, vai ter o máximo interesse de que o país saiba que está havendo uma guerrilha contra o governo. Por que esconder? Esconde até que um dia aparece." 

O tenente-coronel da reserva Osmany Meneses de Carvalho, 75, que também assina alguns termos de destruição, disse que a inutilização "era parte da rotina". 

"Periodicamente, nós fazíamos a revisão do arquivo. O que não valia mais era descartado, não era nem avaliado por mim. Eu era apenas encarregado da localização de documentos. Esses documentos eram coisas que não tinham mais nada a ver com a história, coisas passadas", afirmou.

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