domingo, 26 de maio de 2013

Remoções no Rio: 30 mil famílias atingidas

ibase
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Remoções no Rio: 30 mil famílias atingidas

Camila NobregaDo Canal Ibase
Demolição pela Secretaria Municipal de Habitação
Casas removidas na proximidade da Mangueira. / Foto: Paula Paiva
As remoções no Rio de Janeiro sob a justificativa dos megaeventos esportivos estão levando caos à rotina de milhares de pessoas. Dados do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas revelam que o número de atingidos chega a cerca de 30 mil, levando em conta a média de indivíduos por família. No total, 3.099 famílias foram removidas e outras 7.843 estão ameaçadas, segundo o documento “Megaeventos e violação dos direitos humanos no Rio de Janeiro”, um dossiê feito em parceria com moradores das comunidades afetadas e organizações de renome na área de urbanismo, entre eles o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), e outras entidades como a ONG Justiça Global. O documento – com base em pesquisas de campo e elaborado com dificuldades, já que há falta de transparência do poder público na liberação de informações – foi lançado nesta quarta-feira, dia 15 de maio de 2013.
Entre os lugares citados no estudo, está o Largo do Tanque, onde mora uma história no mínimo paradoxal. Durante mais de cinco anos, Ravel Gonçalves, de 17 anos, atleta da Confederação Brasileira de Vôlei, saía de sua casa, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro, para treinar. O talento o pôs como candidato a uma das vagas às Olimpíadas no vôlei de praia, mudando radicalmente a vida do rapaz. Mas, se por um lado os treinos e o sonho se intensificaram, de outro a história familiar de Ravel foi atropelada justamente pelo evento esportivo. Há dois meses, ele, o pai, a mãe, um irmão deficiente físico, de 18 anos, e o caçula, de 7, tiveram a casa demolida junto a das outras 66 famílias vizinhas. As transformações urbanas – que ocorrem a passos acelerados, especialmente sob o argumento da realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos de 2016 – viraram a vida do jogador de cabeça para baixo.
– Primeiro vieram medir nossa casa e não nos explicaram nada. Depois, começou a pressão. Nós havíamos comprado o terreno por R$ 15 mil, cinco anos atrás, e fizemos a casa. Ninguém da prefeitura sequer nos explicou até hoje de quem era a posse na realidade, só nos expulsaram – contou Rosinaldo Luiz de Mendonça, pai do atleta.
Retirada de famílias dá lugar à valorização imobiliária
O Atleta da CBV, Ravel, teve sua casa demolida. Foto: ESPN
A casa demolida da família Mendonça deu passagem às obras do BRT (Bus Rapid Transit) Transcarioca. A proposta inicial da prefeitura era dar a eles uma indenização de R$ 18 mil pelas benfeitorias no terreno (a casa). Com o valor, não é possível comprar nem um terreno próximo. O acordo final foi de R$ 40 mil, e com esta indenização a família só conseguiu  uma casa de dois quartos inacabada, no alto de um morro. A situação se repete em várias outras obras que estão reconfigurando o município quase de forma silenciosa.
Para entender o processo, é preciso lembrar, em primeiro lugar, que a maioria das remoções está localizada em áreas de extrema valorização imobiliária, como explicou um dos coordenadores do levantamento, doutor em planejamento urbano e professor do Ippur Orlando Alves dos Santos Junior:
- O que estamos vendo é um projeto de reestruturação urbana, sem participação alguma da sociedade. São três pontos principais: o fortalecimento da Zona Sul, da Zona Portuária e a criação de uma nova centralidade na Barra da Tijuca, sob o guarda-chuva olímpico. Na verdade, o que ocorre sob esse argumento é uma grave intervenção urbana em função da indústria imobiliária. A presença dos moradores de classes mais pobres se tornou um entrave no meio do caminho a ser removido.
Na apresentação do dossiê, o texto esclarece que as comunidades foram agrupadas tendo como critério o tipo de justificativa utilizada para as remoções. No caso da cidade, elas estariam concentradas em quatro eixos: as obras viárias associadas aos corredores dos BRTs; as obras de instalação ou reforma de equipamentos esportivos; obras voltadas à promoção turística na área portuária e áreas de risco e interesse ambiental. Foram incluídas áreas removidas e ameaçadas de remoção não relacionadas diretamente a esses megaeventos, mas que “podem ser consideradas como parte da estratégia da prefeitura de promover a renovação urbana, a expansão imobiliária e o potencial turístico, envolvendo a remoção de famílias de baixa renda”, explicita um trecho do documento.
Fizeram parte da equipe de elaboração do dossiê urbanistas, arquitetos, geógrafos e voluntários de varias outras áreas, com o objetivo de chamar atenção para o fenômeno das remoções em curso sob o argumento dos megaeventos. Segundo o dossiê, trata-se de uma forma de violação de direitos e de pressão psicológica sobre populações vulneráveis. Vale lembrar que a moradia foi elevada à condição de direito constitucional em 2000, a partir de emenda à Carta da República que ampliou o rol dos direitos sociais.
Enquanto isso, a indústria imobiliária só tem a comemorar. O preço médio dos imóveis anunciados na capital carioca neste mês foi de R$ 8.358, contra R$ 8.143 no Distrito Federal e R$ 6.806, em São Paulo, segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE / Zap – relativo a janeiro de 2013). Entre os imóveis vendidos, a valorização do metro quadrado foi de 116,60 %, entre os anos de 2010 e 2012. Para os imóveis alugados, a valorização foi de 68,50 % no mesmo período, a maior valorização no país.
Para a cientista política Sônia Fleury, coordenadora do Programa de Estudos da Esfera Pública, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), há um processo de subordinação do planejamento da cidade aos interesses do capital, em detrimento da cidadania.

- Há um desrespeito geral, inclusive ao Plano Diretor da cidade. A discussão participativa, inclusive com órgãos públicos, foi completamente posta de lado. A Secretaria municipal de Habitação (SMH) identifica as casas a serem demolidas com a própria sigla, com a mesma violência com que, no século XIII, identificava-se um leproso. É um retrocesso na democracia, e as pessoas na Zona Sul só começam a perceber quando arrancam árvores na praça sem avisar, ou quando o aluguel sobe.

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