terça-feira, 8 de outubro de 2013

Agricultura: por que Brasil aposta em modelo decadente

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Agricultura: por que Brasil aposta em modelo decadente

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Embora membro do PT, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária sustenta: pressionado por ruralistas e tecnocratas, governo ignora declínio da monocultura e aprofunda políticas falidas
Gerson Teixeira entrevistado pela IHU On-Line
“Lamento o apagão do pensamento estratégico dentro do governo. (…) Não bastasse, especula-se sobre a proximidade do anúncio de um “pacote agrário” para ser dado de presente ao agronegócio e, assim, mergulhando ainda mais o Brasil nas profundezas dos anacronismos da sua estrutura agrária”, diz o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA.
“Há que se pensar, de imediato, em uma ‘nova agricultura’ no decorrer do século XXI, sob pena de possíveis crises alimentares globais que desdobrarão em eventos sociais e políticos imponderáveis”, considera Gerson Teixeira, ao comentar a atual produção agrícola e a demanda por alimentos no futuro.
Segundo ele, “o mundo já se depara com processo de redução acentuada dos níveis da produtividade agrícola (…) e as pesquisas demonstram que a produtividade dos alimentos básicos declinou de 3% ao ano na década de 1960 para 1% ao ano na atualidade”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, o engenheiro agrônomo avalia que as políticas adotadas no Brasil estão na “absoluta contramão do que deveria ser feito para habilitar o país ao enfrentamento do grande desafio da segurança alimentar”. E dispara: “Tais políticas refletem, portanto, a temerária hegemonia do agronegócio e têm a pretensão de transformar o Brasil no ‘fazendão do mundo’ sob o controle do capital internacional”.
Neste caso, vivemos a inacreditável situação na qual o agronegócio, com o apoio massivo do governo, exporta 100 bilhões de dólares ao ano, em grande parte para alimentar animais no exterior, e não produz comida para a população brasileira, inclusive, sendo responsável pela evolução do IPCA dos alimentos em patamares acima do IPCA geral”.
Gerson Teixeira é engenheiro agrônomo, especialista em Desenvolvimento Agrícola pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ e presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA.

Confira a entrevista:
Como você avalia a declaração do economista Chris Hurt, especialista em Economia Rural dos Estados Unidos, sobre o menor crescimento da demanda alimentar no futuro?
Em entrevista publicada pelo Valor Econômico de 2 de setembro, esse especialista defendeu teses que contrariam prognósticos de instituições internacionais sobre as tendências na produção de alimentos. Em particular, garante que, doravante, após sete anos de boom dos preços das commodities agrícolas, teremos uma longa trajetória de equilíbrio entre demanda e oferta de alimentos, com os preços retornando à sua trajetória histórica. Segundo Hurt, são equivocadas as previsões da FAO e OCDE sobre as expectativas superlativas para a demanda alimentar nas próximas décadas que desafiam a agricultura mundial.
Portanto, não existiria cenário de ameaças para a segurança alimentar, tampouco de riscos de colapso na agricultura.
O economista fundamenta a sua tese no processo de desaceleração da economia chinesa e no fato de a demanda de milho para a produção de etanol nos EUA supostamente ter alcançado o seu teto. Então, não haveria todo esse crescimento da demanda alimentar mundial no futuro. Os agricultores também não enfrentariam crise com o fim do ciclo de alta dos preços, vez que teriam capacidade de assimilar margens mais apertadas.
É possível que essas previsões se confirmem, mas a própria entrevista revelou pouca convicção do seu autor, uma vez que ao mesmo tempo ele assegurou que, de todo o modo, a agricultura dominante estaria apta a responder ao aumento acentuado da demanda alimentar, pois, ainda segundo o especialista, haveria muita terra e tecnologia a serem incorporadas ao processo produtivo.
Ora, é verdade que as previsões indicam que a China, o grande motor dos mercados agrícolas nos últimos anos, continuará ostentando taxas importantes de crescimento econômico, mas em patamares inferiores à média das últimas décadas. Mas algumas variáveis deixaram de ser consideradas na análise do economista. Primeiro, leve-se em conta, talvez mais que o crescimento demográfico mundial, os expressivos contingentes populacionais em processo de urbanização e migração rural que impactam em demanda maior e menor oferta agrícola potencial.
Veja-se o exemplo da própria China, onde segue forte o fenômeno da urbanização, à taxa de 2,5% ao ano (Bird, 2011), significando que 15 milhões de chineses deixam as áreas rurais a cada ano. De outra parte, aquele país enfrenta pelo menos mais um gargalo estrutural para manter o expressivo desempenho agrícola do período recente: as severas restrições de água em várias regiões.
Especialistas do Ministério da Agricultura, na edição mais recente da Revista de Política Agrícola, apresentam estudo demonstrando que a China continuará com a segurança alimentar altamente dependente do exterior. Tanto que o Departamento de Agricultura dos EUA prevê que, em praticamente dez anos, contados do ano de 2011, os consumos de milho, soja e carne bovina na China terão aumentado em taxas notáveis de, respectivamente, 44,5%, 58,3% e 23,4%. As previsões de Hurt também ignoram os desdobramentos na oferta agrícola das mudanças climáticas e da questão da produtividade.
Então como avalia as previsões da FAO e OCDE, de que a agricultura enfrentará dificuldades para alimentar nove bilhões de pessoas até 2050? Haverá crise estrutural para o agronegócio no futuro?
São organizações respeitáveis que conhecem o assunto, portanto, devemos nos orientar pelas suas previsões, segundo as quais a demanda alimentar em 2050 deverá ser 70% maior comparativamente à posição de 1996. De fato, trata-se de um enorme desafio para a agricultura que poderá ser enfrentado. Contudo, não acredito nessa possibilidade com a manutenção do padrão dominante de agricultura, de larga escala, geneticamente homogêneo e intensivo em químicos e energia de um modo geral.
Por quê?
Há alguns anos, com todos os riscos e limitações, tenho me somado às análises de outros profissionais nos assuntos agrários indicando essas dificuldades. Mas até os especialistas das Nações Unidas que participaram do Informe da Conferência da Unctad sobre Comércio e Meio Ambiente/Revisão 2013, lançado no dia 18 de setembro, alertaram, no documento, sobre o imperativo para a humanidade de uma mudança rápida da produção baseada em monocultura e intensiva em químicos para uma diversidade de sistemas de produção sustentáveis, que melhorem a produtividade dos pequenos agricultores. Advertem que a transformação fundamental da agricultura pode ser um dos maiores desafios, inclusive para a segurança internacional, no século XXI.
O fato é que fatores econômicos e técnicos próprios da organização do agronegócio, combinados com os efeitos da evolução da crise climática sobre a agricultura (uma das principais fontes de emissão e, ao mesmo temo, cada vez mais afetada pelo aquecimento global) sinalizam dificuldades nada triviais para a subsistência futura da grande exploração agrícola capitalista sob qualquer forma de organização.
Tentando resumir, diria que razões diversas impuseram trajetória de declínio dos níveis reais dos preços agrícolas desde o final da década de 1970. Nos últimos sete anos, a constante volatilidade da oferta alimentar derivada da competição dos agrocombustíveis e da maior frequência e intensidade de fenômenos climáticos, perpassada pelos movimentos especulativos com commodities agrícolas pelos fundos de hedge, em particular, provocaram a inflexão nesse processo.
No geral, esse fenômeno não resultou em rentabilidade mais elástica na base primária à medida que os custos de produção também dispararam notadamente daqueles relativos aos inputs químicos. Ademais, parte do ganho adicional derivado do aumento dos preços passou a ser apropriada pelas corporações que controlam o comércio agrícola. Confirmada ou não a avaliação do economista americano sobre o retorno dos preços à sua curva histórica, continuará o aperto das margens ‘dentro da fazenda’.
Os orçamentos nacionais para apoio à agricultura serão cada vez mais robustos, o que implica considerar que se a variável econômica fosse a única determinante, somente os países ricos teriam condições de sustentar a atividade agrícola enquanto setor econômico estruturado.
Contudo, devemos agregar que o mundo já se depara com processo de redução acentuada dos níveis da produtividade agrícola (Revista Science – março/2010, The Economist – 23/03/2011 e estudos do USDA). As pesquisas demonstram que a produtividade dos alimentos básicos declinou de 3% ao ano na década de 1960 para 1% ao ano na atualidade.
Assim, o fenômeno histórico de compressão das margens na fazenda, já num contexto de declínio da produtividade, tende a assumir graves proporções no futuro, posto que, com as mudanças climáticas, o IPCC/ONU estima em um terço a queda dos níveis de produtividade. Isto, caso o aquecimento global não ultrapasse os 2o C.
Essas projeções foram confirmadas recentemente pela 5ª Revisão sobre as mudanças climáticas (reunião do IPCC na Suécia) e pelo 1º Relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Vale assinalar que os eventos da pesquisa na tentativa de adaptação/mitigação a esses desafios estão limitados à busca de variedades mais resistentes às situações de déficit hídrico e de temperaturas mais altas e, mesmo assim, no limite de 2oC.
Em suma, quando consideramos o contexto de erosão da biodiversidade no mundo, fruto da “agricultura moderna”; a progressiva restrição da disponibilidade de água para a continuidade dessa atividade no futuro; os desequilíbrios ambientais sistêmicos previstos, há que se pensar, de imediato, em uma “nova agricultura” no decorrer do século XXI, sob pena de possíveis crises alimentares globais que desdobrarão em eventos sociais e políticos imponderáveis.
O governo brasileiro está atento a estes cenários?
Certamente têm quadros no governo atentos a esses riscos. Mas uma combinação de fatores, como a correlação de forças, a contaminação da burocracia por neoliberais com “tucanos de carteirinha” nos mais altos escalões da administração federal e as contingências imediatas do quadro de transações correntes, dita políticas na absoluta contramão do que deveria ser feito para habilitar o país ao enfrentamento do grande desafio da segurança alimentar. Tais políticas refletem, portanto, a temerária hegemonia do agronegócio e têm a pretensão de transformar o Brasil no “fazendão do mundo” sob o controle do capital internacional.
Neste caso, vivemos a inacreditável situação na qual o agronegócio, com o apoio massivo do governo, exporta 100 bilhões de dólares ao ano, em grande parte para alimentar animais no exterior, e não produz comida para a população brasileira, inclusive, sendo responsável pela evolução do IPCA dos alimentos em patamares acima do IPCA geral.
A propósito, de forma lúcida, a presidente Dilma recentemente garantiu que, com o pré-sal, não deixará o Brasil sucumbir à “maldição do petróleo” (uma alusão aos efeitos macroeconômicos maléficos de economias centradas em recursos naturais – tese da ‘maldição dos recursos naturais’).
Mas o governo deveria voltar a atenção também para a “maldição instalada do agronegócio”, pois, neste caso, tem o agravante de um “apagão estratégico”, com consequências políticas e socioeconômicas potencialmente desastrosas para o futuro do Brasil. Aliás, vivemos também a “maldição do ferro”, que recairá com maior intensidade ainda sobre os interesses nacionais caso venha a ser aprovado o texto da proposta do novo código mineral enviada pelo governo ao Congresso.
Como ficam a reforma agrária e a agricultura familiar nesse debate?
De plano, me alinho às recomendações dos cientistas da Unctad sobre o imperativo de uma “nova agricultura”, fundada na biodiversidade, menor escala e em sistemas ambientalmente amigáveis como caminho para enfrentarmos o grande desafio da segurança alimentar em décadas futuras.
Assim, a iminência de um colapso do agronegócio no futuro oferece oportunidade histórica inusitada para a agricultura familiar e camponesa no presente. Esta reúne atributos congênitos que lhe proporcionam maior capacidade de resiliência aos efeitos das adversidades econômicas e ambientais comentadas.
Mas, como afirmei, as políticas caminham no sentido oposto. A atual política para a agricultura familiar, não obstante os méritos inclusivos, induz à erosão dos fundamentos da economia camponesa, nivelando-a às bases técnicas e organizativas da agricultura do agronegócio e, assim, submetendo-a aos mesmos riscos de colapso.
Até mesmo a vocação para a produção de alimentos pelos agricultores familiares tem sido interditada com a imposição da pauta de produtos do agronegócio. Enquanto isso, o capital internacional, especulativo ou não, investe em terras, também para alimentos, pois sabe que rigorosamente se trata de um ‘negócio da China’ no presente e, mais ainda, no futuro.
A reforma agrária, cuja importância na atualidade ultrapassa os seus objetivos clássicos para assumir estratégia de proteção das futuras gerações contra as incertezas e armadilhas deste século, simplesmente foi sepultada.
Como petista que reconhece e comemora os avanços do país em várias áreas desde 2003, lamento o apagão do pensamento estratégico dentro do governo e obviamente sinto enorme frustração com o fato de, nos últimos três anos, terem sido publicados apenas 86 decretos de desapropriação de latifúndios improdutivos.
Não bastasse, especula-se sobre a proximidade do anúncio de um “pacote agrário” para ser dado de presente ao agronegócio e, assim, mergulhando ainda mais o Brasil nas profundezas dos anacronismos da sua estrutura agrária. Entre outras medidas, constariam do “pacote” mecanismos para a transferência, para o mercado, de áreas dos assentamentos; a homologação das posses nas áreas de fronteira; e nada sobre a regulação efetiva do acesso a terra por pessoas estrangeiras. A ver!
Como avalia a proposta de Márcio Matos, um dos líderes do MST, de que o governo feche o Incra diante da inoperância?
Um efeito colateral esperado do sentimento de frustração que também acometeu o companheiro.

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