sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Congresso de agroecologia: cuidando da saúde do planeta

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22/11/2013 - Copyleft

Congresso de agroecologia: cuidando da saúde do planeta

VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia começa segunda-feira (25), em Porto Alegre. Palestra de abertura será feita por Leonardo Boff


Najar Tubino
Divulgação
Porto Alegre – Começa na próxima segunda-feira, dia 25, o VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia, uma realização da Emater-RS, Secretaria de Desenvolvimento Rural, INCRA, MDA, EMBRAPA, UFRGS e AGAPAN, e da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), com expectativa de participação de 3.500 pessoas – três mil já inscritas -, 50 painelistas, de todo o Brasil e de vários países, como Estados Unidos, França, Espanha, México, Argentina e Equador. É o maior encontro do setor e volta a Porto Alegre, onde ocorreu o primeiro congresso em 2003, depois de fazer um rodízio pelo país – passou por Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Ceará. O evento contará com inúmeros eventos paralelos, como dois seminários sobre agroecologia, um deles internacional, além do encontro da Rede de Grupos de Ecologia do Brasil. Enfim, a capital gaúcha será até o dia 28 a capital nacional da agroecologia. O encontro acontece no campus da PUC. A palestra de abertura é de Leonardo Boff e ainda contará com as presenças do governador Tarso Genro e do ministro Pepe Vargas, do Desenvolvimento Agrário.
 
Entre os painelistas conhecidos mundialmente estão Miguel Altieri, da Universidade de Berkeley, Califórnia, Eduardo Sevilla Gusmán e Manuel Gonzales Navarro, da Espanha, além de Claire Lamine, da França. Eles debaterão temas de cinco eixos principais do congresso:
 
“Agroecologia e saúde humana; reinventando a economia; diversidade para a saúde do planeta; agroecologia como base para educação e saúde do agrossistema.”
 
Momento de afirmação
 
Miguel Altieri participará do primeiro grande painel sobre os 10 anos do CBA, juntamente com Manuel de Molina, da Universidade Pablo de Olavide e Maria Emilia Pacheco, do Consea, na tarde de segunda-feira. Na terça, no início da manhã o grande tema é “a luta contra os agrotóxicos e transgênicos, com a participação do professor Wanderlei Pignati, da UFMT, que tem acompanhado as ocorrências de contaminação no estado, juntamente com Javier Souza, da RAPAL e Leonardo Melgarejo, do Nead-MDA. Na quarta o tema é “possível pensar em mudança paradigmática na economia”, com a participação de João Pedro Stédile, Tom Kucharz, do grupo Ecologistas em Accion e Alan Boccato. Na quinta-feira serão discutidas as políticas públicas e a agroecologia com Valter Bianchini, do MDA, Selvino Heck, da Secretaria-Geral da Presidência, Paulo Petersen, da AS-PTA- e presidente da ABRA e Cláudia Schmitt, da UFRJ.
 
Tudo isso para argumentar sobre a importância do encontro, num momento de afirmação da agroecologia no país, como comenta Gervásio Paulus, diretor-técnico da Emater e presidente do VIII Congresso, que conversou com CARTA MAIOR durante quase duas horas, no último dia 19. Gervásio trabalha há 23 anos na entidade participou de vários projetos de assentamentos na região de Sarandi, no norte do estado, durante oito anos – na Fazenda Anoni, símbolo da reforma agrária no RS. Acompanha o crescimento da agroecologia desde o início do primeiro seminário sobre o tema em 1999, na época do governo Olívio Dutra, que incentivou as práticas agroecológicas no Rio Grande do Sul.
 
A Emater, responsável pela extensão rural no RS, teve seu orçamento praticamente duplicado na gestão atual, para R$173 milhões, sendo que parte da verba vem do governo federal, pelo MDA, ou por chamada pública e também por convênios com as prefeituras. São l.500 técnicos atuando no campo, distribuídos em 12 regiões e presença em 493 municípios.
  
Devaneios para a indústria de agrotóxicos
 
Gervásio tem rebatido as críticas do agronegócio veiculadas recentemente na imprensa local, um deles um artigo do gerente técnico da Andef, a associação da indústria de agrotóxicos, comentando que a agroecologia representaria um risco de empobrecimento da agropecuária gaúcha. Vou citar um trecho de um artigo sobre a modernização da agricultura brasileira, de autoria de José Annes Marinho, gerente de educação e treinamento da Andef:
 
“Uma política agrária moderna deve ter como meta emancipar econômica e culturalmente o pequeno agricultor, transformando-o em empresário rural, ao invés de devaneios sem qualquer cunho científico, que apenas mostram o problema, mas não a solução... tais atitudes nada constroem, muito pelo contrário, induzem a sociedade a acreditar que o produtor rural e o agronegócio não estão preocupados com o meio ambiente, e principalmente, o seu cliente, o consumidor”.
 
Basicamente, o estilo dos representantes das corporações do agronegócio, de suas entidades ou de seus consultores formais ou informais, de atacar a agroecologia como sendo uma prática sem conhecimento científico, que não passa de uma arroubo romântico e não leva a nada, além de atrapalhar o crescimento da tecnologia e da modernidade no campo. Justamente isso que Gervásio Paulus rebate. No Congresso serão apresentados 1.056 trabalhos técnico-científicos e de experiências realizadas no país. Os relatos de experiências somam 400. O número de trabalhos inscritos chegou a 1.400. Desde o início das discussões sobre a realização de um congresso e da criação da Associação Brasileira de Agroecologia em 2004, a questão sempre foi dar uma abordagem científica ao tema. Fazer uma aliança do conhecimento tradicional dos povos e comunidades e agregar os estudos da ciência.
  
Quem é ingênuo?
 
“Na realidade nós que lidamos com a agroecologia temos que ter um conhecimento muito mais complexo da ciência, porque a atividade requer informações e trabalho de diversas áreas tanto das ciências humanas, como biológicas e econômicas, sem contar a saúde. Nós estamos vivendo um momento de afirmação da agroecologia em todos os sentidos. Em termos de crescimento, das necessidades de mudanças mais profundas no mundo, porque vivemos não apenas uma crise econômica e social, mas civilizatória. Por isso mesmo, o tema do congresso é cuidar da saúde do planeta”, explica Gervásio Paulus.
 
Os ideólogos do agronegócio costumam definir os agroecologistas como ingênuos, porque não poderiam nunca produzir alimentos em quantidades suficientes para abastecer o mundo, quando na verdade a produção de alimentos da população sempre esteve nas mãos da agricultura familiar camponesa.
 
“Nós sabemos que é necessário muito suor para construir uma alternativa viável ao atual modelo econômico que está implantado no campo. A agroecologia precisa ter ciência, consciência e persistência. A agroecologia não se resume a discurso. Mas precisamos crescer, sair das hortas e quintais e ir em direção as lavouras. Precisamos adquirir corpo, escala. Não é um caminho simples, não depende apenas de tecnologia, depende principalmente de mobilização social”, continua Gervásio Paulus.
 
 A diferença é ter gente
 
Aí está a diferença maior com o agronegócio: envolvimento das pessoas, das comunidades, dos grupos organizados, coletivos, trabalhando em diferentes regiões, com diversidade de experiências e de conhecimento e realizando intercâmbios. Isso acontece há muito tempo, mas provavelmente esteja no seu momento mais organizado. Uma prova disso são as caravanas agroecológicas, da Articulação Nacional de Agroecologia, em conjunto com dezenas de outras entidades, que já passaram por várias regiões do Brasil, desde a zona da mata de Minas Gerais, a Chapada do Apodi no semiárido, a região amazônica no Pará, o pantanal do Mato Grosso, a região do Bico do Papagaio, Tocantins, e mais recentemente, Rio de Janeiro e o sul do país.
 
Um movimento articulado, registrando trabalhos, experiências, discutindo informações, trocando referências e sistematizando conhecimento. Ao contrário do que imaginam os pensadores do agronegócio, não são apenas agricultores tradicionais – produzem com baixo rendimento -, como eles costumam definir. São técnicos, pesquisadores, ativistas, coletivos e mais coletivos. Nessa área não tem pacote tecnológico da indústria química.  Uma referência que Gervásio Paulus, que é natural da região de Sarandi, usa como exemplo da tal tecnologia moderna. Seus amigos, parentes, de vários municípios da região, plantadores de soja desde a década de 1970, foram para Balsas, no Maranhão e, ultimamente,Santarém, no Pará, plantar a leguminosa do mesmo jeito que fazem no RS. Em Santarém, a Cargill construiu um armazém com capacidade de 1,2 milhão de toneladas de soja.
 
Pacote químico furado
 
O pacote deles se resume ao seguinte: passar um dessecante para limpar o campo, plantar, passar um fungicida ou inseticida sistêmico, que penetrará a planta e tem poder de matar de formiga, pulgão até lagarta, depois esperar o crescimento, e colher. Três ou quatro pessoas se responsabilizam por dois mil hectares de soja, explica o diretor técnico da Emater. É claro, que de repente surge outra espécie de lagarta, como é o caso da Helicoverpa Armigera, que está comendo tudo – de espiga de milho à maçã de algodão, passando pela soja. E a solução: é mais veneno.
 
“O que nós queremos é o campo com gente. Um novo modelo de desenvolvimento rural tem que levar em consideração não somente a parte agrícola, mas também a vida social e cultural das comunidades – a escola, o campo de bocha, os vizinhos, os familiares”, enfatiza Gervásio Paulus.
 
Todas estas questões estarão em pauta no VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia, que será mais uma etapa, pois em maio de 2014, acontecerá o III Encontro Nacional de Agroecologia, em Juazeiro, na Bahia, no campus da Universidade do Vale do São Francisco, também com previsão de três mil participantes e caravanas de diversas regiões do país.

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