quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Desmatamento ilegal por trás da morte de indígenas

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Desmatamento ilegal por trás da morte de indígenas

Noticias Aliadas
Adital
Cecilia Remon
"Na floresta o silêncio é absoluto à noite”, conta à Notícias Aliadas, Sara, uma colona que tem uma parcela em plena selva central peruana. "Mas, de repente, às 9h da noite, começa-se a escutar ao longe as motoserras. Eu me levanto de imediato e vou, sem fazer ruído, com minha escopeta e meus cachorros ver onde estão corando minhas árvores. Mas não encontro os cortadores. Se escondem. Pela manhã, encontro as árvores cortadas e os troncos cortados que não puderam retirar”.
ReproduçãoSara é uma limenha de 54 anos, de quem, nos anos 1980, lhe adjudicaram 187 hectares de terras próximo à localidade de Puerto Bermúdez, no central departamento de Pasco, para desenvolver agroflorestamento e proteger algumas espécies de árvores. Em julho passado, lhe informaram que, de maneira inconsulta e sem sua presença, as autoridades do Ministério da Agricultura tinham mudado os limites de suas terras, utilizando planos falsos que não correspondem à realidade física. Ela tem títulos de propriedade registrados e com isso pode reclamar, mas o mesmo não ocorre com as mais de 500 comunidades indígenas amazônicas que, há décadas, exigem a titularidade de suas terras, a única forma que possuem para protegerem suas terras do desmatamento ilegal.
Porém ao governo peruano não interessa avançar na entrega dos títulos de propriedade. Como declara Julia Urrunaga, diretora do Programa Peru da Agência de Investigação Ambiental (EIA), com sede nos Estados Unidos, para as autoridades peruanas em Lima, "a selva é um espaço enorme, repleto de árvores, onde não há gente”.
Do tanque à lavadora automática
Em 2012, os Estados Unidos publicaram o relatório "A máquina de lavar: como a fraude e a corrupção no sistema de concessões estão destruindo o futuro das florestas do Peru”, em que revela o emaranhado burocrático, que legaliza, através de documentos que as autoridades nunca verificam, a comercialização de madeira extraída de áreas não autorizadas na Amazônia peruana.
O assassinato de quatro indígenas asháninkas, na comunidade de Alto Tamaya Saweto, no Departamento de Ucayali, fronteira com o Brasil, trouxe à tona não só a insegurança a que estão expostos os povos nativos amazônicos, como a existência de um negócio muito rentável, em que estão envolvidas empresas, autoridades e madeireiros ilegais.
Edwin Chota, chefe da comunidade, e os dirigentes Jorge Rios, Leoncio Quinticima e Francisco Pinedo já tinham denunciado há anos o que estava ocorrendo em suas terras. "Chota era um dirigente conhecido e ativo contra o desmatamento ilegal”, conta Urrunaga. "Apresentou várias denúncias em Pucallpa (capital de Ucayali) e em Lima, mas sempre foram arquivadas”.

Reprodução
Edwin Chota, um dos indígenas asháninkas assassinados


Tinha documentos, vídeos (localização em) GPS.Acusava pessoas, as identificava com nomes e sobrenomes, com fotos. Com essas mortes, a mensagem das máfias de desmatamento ilegal a quem se opõe a essa atividade é "Deixe-me operar, mesmo que a autoridade esteja me incomodando." A mensagem é "cale-se”.
Um dos primeiros que denunciou o que vinha acontecendo no Alto Tamaya-Saweto foi David Salisbury, geógrafo e professor da Universidade de Ricmond, na Virgínia, EUA. Por mais de 10 anos, assessorou Chota e sua comunidade na luta para obterem os títulos de suas terras.
Segundo Salisbury, Chota escreveu mais de 100 cartas a instituições peruanas e brasileiras pedindo proteção e atenção às suas reclamações e queria levar seu caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Madeireiros escravizados

A repercussão internacional do caso, mais que em nível local, obrigou as autoridades a atuarem. Organizações indígenas, grupos de direitos humanos, organismos internacionais, incluindo a própria CIDH e o Alto Comissionado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, exigiram do governo proteção para as comunidades indígenas e deter, julgar e punir os responsáveis.
O governo anunciou ter identificado os supostos assassinos dos indígenas. Trataria-se de desmatadores ilegais, mas, para Urrunaga "capturar os desmatadores não resolve o problema. No geral, trata-se de pessoas que trabalham quase em condições de escravidão, que cortam árvores para sobreviver”.
"Por trás está uma organização muito mais complexa e o objetivo é satisfazer a demanda por madeira fina para os mercados internacionais”, acrescentou.
Não obstante, precisou que "o corte ilegal não é a atividade que arrasa as florestas, mas é a ponta do iceberg, que abre o caminho a outras atividades ilegais”.
Fabiola Muñoz, diretora do Serviço Nacional Florestal do Peru (SERFOR), dependente do Ministério da Agricultura, confirmou que em zonas onde se tem informação da existência de desmatamento ilegal também há corredores do narcotráfico e áreas semeadas com coca. De fato, a própria comunidade de Alto Tamaya-Saweto denunciou que narcotraficantes utilizam a madeira extraída ilegalmente para camuflar a droga.
Entre março e maio deste ano, a Superintendência de Aduanas e Administração Tributária (SUNAT) despenalizou mais de 6 milhões de pés tabulares correspondentes a espécies protegidas, que não contavam com documentação que garantisse sua procedência legal. A madeira estava valorizada em mais de US$ 20 milhões. Mas se trata de operativos que não são permanentes.
O Banco Mundial estima que entre 80% e 90% da madeira que se exporta no Peru, principalmente para a China e outros mercados asiáticos, é ilegal. De acordo com cifras do Governo Regional de Loreto, o Peru perde, anualmente, $ 250 milhões por desmatamento ilegal.
Além de comprometer-se a entregar os títulos de propriedade à comunidade de Alto Tamaya-Saweto, o ministro do Interior, Daniel Urresti, anunciou em 15 de setembro, a nomeação de um alto comissionado para combater o desmatamento ilegal em todo o país, que dependerá da Presidência do Conselho de Ministros. Como titular do cargo foi designado um questionado general aposentado da Polícia Nacional. Trata-se de César Fourment Paredes, que ademais de não ter nenhum conhecimento sobre a extração e comercialização de madeira, trabalhou, estreitamente, com altos chefes policiais vinculados a Vladimiro Montesinos, assessor em assuntos de segurança do encarcerado ex presidente Alberto Fujimori (1990-2000).

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Organização Não Governamental sem fins lucrativos que produz e difunde informação e análises sobre a realidade latino-americana e caribenha com enfoque de direitos

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