quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Cidades alteradas

fapesp
http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/11/17/cidades-alteradas/


Cidades alteradas

Modelo estatístico indica que construção de usinas hidrelétricas não traz benefícios locais
MÁRCIO FERRARI | ED. 237 | NOVEMBRO 2015

Email this to someoneTweet about this on TwitterShare on Google+Share on FacebookShare on LinkedIn

© LALO DE ALMEIDA / FOLHAPRESS
Obras da hidrelétrica de Aimorés, em Itueta (MG), no ano de 2004: dados não indicam benefícios vindos do aproveitamento da compensação financeira recebida
Obras da hidrelétrica de Aimorés, em Itueta (MG), no ano de 2004: dados não indicam benefícios vindos do aproveitamento da compensação financeira recebida
Associada desde sempre à ideia de desenvolvimento do país, a construção de usinas hidrelétricas também vem sendo defendida como fator de progresso econômico local, isto é, nas regiões do entorno do reservatório. Essa ideia está presente no discurso do governo federal, expresso no texto dos Programas de Aceleração do Crescimento (PAC) 1 e 2, de 2007 e 2010, e repetido quando são lançados os licenciamentos de hidrelétricas como a de Belo Monte, atualmente em construção no Pará. Verificar, em números, a validade dessa afirmação é o objetivo do projeto de pesquisa “Performances de desenvolvimento dos municípios brasileiros afetados por usinas hidrelétricas”, encabeçado por Evandro Mateus Moretto, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental (Procam) do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP) e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP).
Até agora os estudos de impacto das hidrelétricas tratavam das consequências ambientais. Faltavam ferramentas para testar a modificação dos indicadores de desenvolvimento humano concomitante à construção e operação das usinas, incluindo os possíveis efeitos da compensação financeira recebida pelos municípios que tiveram áreas alagadas. O modelo adotado pelo projeto do pesquisador do IEE, que se encerra em fevereiro de 2016, envolve 159 usinas que foram inauguradas até 2010 com capacidade instalada igual ou superior a 20 mW, constituindo um universo de 647 municípios alagados e 1.154 vizinhos não afetados.
Para realizar as análises, foram utilizadas as 256 variáveis utilizadas pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), disponíveis para os anos de 1990, 2000 e 2010, para a produção do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que inclui as dimensões de riqueza, longevidade e escolaridade. As variáveis – sistematizadas pelo PNUD a partir de mensurações oficiais, como do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – foram utilizadas para comparar os grupos de municípios alagados e seus vizinhos, com o objetivo de verificar se o desenvolvimento nos períodos de análise dentro de cada uma das regiões hidrelétricas é igual ou diferente entre os dois grupos de municípios.
No conjunto das 159 usinas hidrelétricas, as análises mostram que há uma forte tendência de piora no desempenho do IDH durante o período de instalação das usinas hidrelétricas, quando ocorrem importantes impactos decorrentes da instalação e funcionamento dos canteiros de obras. “De forma geral, os indicadores melhoram em ambos os grupos de municípios, mas crescem menos no grupo mais próximo aos canteiros de obras, que serão os municípios alagados ao final da implantação”, constata o pesquisador. No caso do complexo hídrico de Pelotas-Uruguai, na divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina, por exemplo, foi possível identificar que os municípios que abrigam as casas de força das quatro hidrelétricas destacaram-se em alguns indicadores, como foi o caso do maior crescimento do PIB em relação aos outros municípios. Isto, provavelmente, está associado à própria dinâmica econômica que a construção da usina imprime na localidade. Nesses municípios, as oportunidades de trabalho crescem, mas só durante a construção, que emprega várias centenas de trabalhadores, e não depois que a hidrelétrica entra em operação, o que envolve não mais do que 20 pessoas em alguns casos.
Trabalho de campo
Numa análise específica do impacto das compensações financeiras não foi detectada correlação estatística entre os recursos recebidos pelos municípios alagados e a melhora de cada uma das 256 variáveis do IDH, o que é um forte indício de que elas não estão sendo devidamente aproveitadas pelos governos locais para promover suas agendas de desenvolvimento.
“Já é possível afirmar que as usinas hidrelétricas não induzem aquele desenvolvimento local preconizado pelos documentos oficiais de planejamento, mas ainda não podemos estabelecer precisamente quais são as relações de causa e consequência entre as usinas e cada uma das variáveis analisadas”, afirma Moretto. Para isso, é necessário trabalho de campo. A intenção é que, a partir de abril, uma parceria entre a USP e a Universidade da Flórida, envolvendo cerca de 15 pesquisadores, ainda não formalizada, mas já em andamento, realize um estudo de caso “à exaustão” nas regiões de três hidrelétricas em operação e uma a construir em Rondônia, além das bacias do rio Teles Pires, no Mato Grosso, e do rio Tapajós, no Pará.
Algumas observações in loco foram feitas pelo gestor ambiental Daniel Rondinelli Roquetti em seu mestrado sob orientação de Moretto, que se dedicou a verificar impactos socioecológicos da construção da usina de Barra Grande, que faz parte do complexo estudado por Carina Sernaglia Gomes entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ele percebeu que as obras da usina provocaram, nos municípios da região, “uma transformação social associada a mercados ilegais”, além do aumento da criminalidade e da incidência de doenças sexualmente transmissíveis. Efeitos ainda piores foram verificados por Simone Athayde, do Centro de Estudos Latino-americanos da Universidade da Flórida (EUA), entre os povos indígenas das regiões afetadas por hidrelétricas no Xingu, incluindo Belo Monte. “Os impactos negativos afetam até o sistema de conhecimento do ambiente por esses povos e não admitem compensação; são incalculáveis sob o ponto de vista monetário”, diz a pesquisadora.
Simone e Moretto não se opõem às hidrelétricas como opção principal dos governos brasileiros para a geração de energia. “Não há dúvida de que elas contribuem para o desenvolvimento da economia do país, mas nada prova que favoreçam as regiões em que são construídas”, diz Moretto. Ele supõe que o discurso oficial nesse sentido queira resgatar uma associação histórica que sempre houve entre barragens e desenvolvimento das sociedades locais. “Mas o benefício das hidrelétricas não é o mesmo de outros tipos de barragens, dedicadas a prover irrigação e abastecimento público da própria localidade, por exemplo; no Brasil, grandes usinas hidrelétricas não são feitas para gerar energia elétrica para a região onde estão localizadas.”
Projeto
Performances de desenvolvimento dos municípios brasileiros afetados por usinas hidrelétricas (nº 2013/14111-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular;Pesquisador responsável Evandro Mateus Moretto (IEE-USP); InvestimentoR$ 35.466,16.

Nenhum comentário:

Postar um comentário