sábado, 22 de setembro de 2012

Assim vivem os povos indígenas no Rio Grande do Sul


MSG ENVIADA PELO CIMI

Assim vivem os povos indígenas no Rio Grande do Sul




capa345A reportagem do Porantim percorreu cerca de 1.000 km pelo estado do Rio Grande do Sul e às margens das rodovias viu de perto a vida de comunidades Guarani Mbyá e Kaingang. Acampados sob o intenso frio do Sul do país, sobrevivem há décadas em pequenos pedaços de terra entre as cercas do latifúndio e o asfalto das rodovias. Os poderes públicos nada fazem a não ser esconder a realidade. Na foto, índios Guarani Mbyá do acampamento Arroio Divisa mostram a “moradia” da comunidade e a água usada para o consumo.

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Ihu

Povos indígenas do RS: a luta pelo acesso à terra. Entrevista especial com Sérgio Baptista

Vendo a terra como um território sagrado e caminhando sobre ela assim como seus deuses fazem, os indígenas do Rio Grande do Sul também têm enfrentado grandes problemas no que diz respeito a viver nela. Como esses grupos indígenas que vivem no Sul do país entendem-na como um presente que os deuses lhe deram, sua relação com a terra é muito diferente da que os brancos mantêm. E, por entenderem que a terra ainda é deles, mesmo que os brancos tenham dominado e privatizado os territórios, é que se encontram tantos grupos indígenas vivendo entre a beira da estrada e a cerca de fazendas. “Onde existe acampamento na beira da estrada, pode ter certeza de que, a poucos quilômetros dele, onde hoje se localizam propriedades privadas, há uma área que foi perdida.” A explicação foi dada pelo antropólogoSérgio Baptista, na entrevista que concedeu, por telefone, à IHU On-Line. Nela, ele analisa a forma como os povos indígenas vivem hoje no estado, suas principais lutas e as estratégias que têm para vencê-las.

Sérgio Baptista é bacharel em Letras, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde realizou sua especialização em História. Na UFRGS, também realizou mestrado em Antropologia Social, e, na mesma área, doutorou-se pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é coordenador da Fundação Nacional do Índio, professor na Universidade do Cabo Verde e da UFRGS. É, também, coordenador do Núcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas e Tradicionais – NIT.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Na sua tese, o senhor buscou, de certa forma, compreender as sociedades a partir dos grafismos deixados pelo povo Kaigang. Como o senhor analisa a forma como os Kaigang vivem hoje?

Sérgio Baptista – Eles vivem, como qualquer sociedade indígena no Brasil, com muitos problemas. O principal deles é a falta de políticas públicas com relação as suas terras e seus modelos peculiares de educação e tratamento à saúde. Faltam políticas públicas e as que existem, muitas vezes, não respeitam as diferenças. Mas, apesar de todas as dificuldades, essas sociedades indígenas do Rio Grande do Sul têm tido um crescimento demográfico grande, o que mostra que seus membros trazem um projeto de continuidade física e, portanto, um grande índice de satisfação pessoa, de vida, em comunidade onde costumam viver. 

IHU On-Line – E como o senhor vê a presença do índio hoje no Rio Grande do Sul? Qual é a principal luta dos povos indígenas hoje aqui no estado?

Sérgio Baptista – Não só os Kaigang, mas os Guarani e os Charrua têm como reivindicação principal a identificação, delimitação, demarcação e homologação de terras indígenas. Os grupos Guarani estão vivendo nas beiras de estradas; em qualquer viagem rodoviária se vê isso. Esse acesso às terras é primordial, essencial, pois elas foram expropriadas dos povos indígenas, particularmente os Guarani. Isso aconteceu em razão do processo de apropriação de terras por parte das populações brancas num processo capitalista desenfreado. Tomaram essas terras a fim de usá-las para o agronegócio e outras empreitadas que retiram as populações de suas áreas. Os Guarani consideram, inclusive, sagradas as suas terras. Com os Kaigang, aconteceu praticamente o mesmo: arrendamentos ilícitos, grilagem. A principal reivindicação, hoje, também é o acesso à terra, porque eles precisam dela não apenas para subsistência, mas também pelo simbólico, pelo sagrado, ou seja, por toda uma memória viva. Além disso, eles têm também reivindicado, junto com movimentos e organizações, políticas que sejam apropriadas, do ponto de vista das suas atividades culturais.

IHU On-Line – E quais são as estratégias de luta usadas pelos povos indígenas contemporâneos?

Sérgio Baptista – Uma das questões principais é esta: fazer a relação com o Estado de forma organizada. Temos visto o surgimento de muitas associações indígenas no Brasil inteiro. No Sul do país, temos uma comissão de terras Guarani, um órgão que toma vários grupos e se articula num movimento político de obtenção recursos, de formação de grupos técnicos na Funai para que exista uma identificação de terras indígenas. Esse movimento é extremamente importante. Nesse momento, vários grupos indígenas do país têm procurado associação de antropólogos que lidem com eles, organizações da Igreja que apoiam a formação de lideranças e a formação educacional. A UFRGS vem, desde o ano retrasado, incluindo dez vagas para grupos indígenas nas áreas da medicina, enfermagem, veterinária, história, pedagogia, jornalismo, direito, entre outras. São formas de operacionalizar as lideranças indígenas para ajudar estrategicamente na obtenção dos direitos culturais específicos. Esses movimentos de articulação são muito importantes.

IHU On-Line – Há povos indígenas que hoje vivem prensados entre a estrada e os arames de fronteira de fazendas. Por que ainda vivem assim?

Sérgio Baptista – Esse é o caso específico dos grupos Guarani, que têm uma territorialidade, um modo de se mobilizar num extenso território transnacional e muito peculiar. Neste imenso território de mata ciliar ao longo dos rios, que envolve vários países, há um horizonte ecológico e cultural de terras, do ponto de vista de uma ecologia simbólica. É um território sagrado, onde é possível fazer a manutenção da vida, baseada sempre na busca da perfeição do corpo, dos comportamentos na relação com as divindades. A mobilidade é muito grande num território que transpassa, hoje, essas fronteiras, hoje. Sempre foi assim. Esses deslocamentos são contínuos e é uma forma de promover a pessoa Guarani, que siga o exemplo dos deuses que percorrem a terra constantemente. No entanto, atualmente, é muito difícil nós, brancos, percebermos isso na medida em que, quando o território é na nossa visão desocupado, as pessoas imediatamente o ocupam. De qualquer modo, nessas formas de mobilidade intensa, suas áreas foram expropriadas, e as matas ideais vão sendo tomadas sempre pelas populações brancas. Isso é algo inconcebível do ponto de vista Guarani. Os grupos estão tentando retornar e retomar essas áreas, que em sua maioria já têm “donos”. Mas existe toda lembrança dessas áreas que ficaram nesse longo caminho. Por isso, eles permanecem na beira das estradas, em locais muito próximos aos locais sagrados expropriados pelos brancos. Então, onde existe acampamento na beira da estrada, pode ter certeza que, a poucos quilômetros dele, onde hoje se localizam propriedades privadas, há uma área que foi perdida.

IHU On-Line – As condicionalidades apresentadas após a resolução da questão de Raposa Serra do Sol trouxe novos problemas para os povos indígenas do Rio Grande do Sul também?

Sérgio Baptista – De uma certa forma, não. Foi um ganho importante que o STF garantiu aos povos indígenas, apesar das formas de minimizar ou diminuir um pouco essas garantias. De qualquer maneira, essa área contínua emRaposa Serra do Sol foi extremamente importante. Todos os grupos indígenas possuem uma relação muito grande com a extensão total do seu território e, principalmente, com as aldeias de diversas tribos. Vários grupos Guarani, aqui no Rio Grande do Sul, estão numa rede de circulação de pessoas, de bens, de ideias, de plantas. Uma fragmentação disso corta essas relações. No Norte do Brasil, ainda é possível fazer essa extensão contínua; aqui no Sul já é mais difícil. Devemos pensar na criação, identificação, demarcação e homologação de pequenos territórios que lhes garantam condições ecológicas, culturais e simbólicas. Também precisamos trabalhar com territórios fragmentados. Para os grupos Guarani, todas as terras expropriadas continuam sendo deles.

IHU On-Line – Como o senhor vê a grande circulação dos indígenas pelos centros urbanos?

Sérgio Baptista – Essa é outra questão sobre a qual precisamos refletir. Principalmente porque existem muitas pessoas que têm uma ojeriza completa por grupos indígenas circulando pela cidade. Aliás, nossas cidades se originam a partir de núcleos indígenas, portanto nós invadimos essas aldeias indígenas e usamos da infraestrutura econômica delas como estratégia de conhecimento do território para que nossas cidades iniciassem. Em Porto Alegre, por exemplo, aconteceu exatamente isso. A Praça da Alfândega, no centro da cidade, é uma área de aldeia Guarani antiga, pré-colonial. Há vestígios arqueológicos naquele local. Toda a área da cidade foi intensamente colonizada por aldeias Guarani. A partir dessas aldeias indígenas, a cidade se constitui. Isso aconteceu também na região do planalto, do pampa e outras. ONúcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas Tradicionais, da UFRGS, fez uma pesquisa sobre as populações indígenas em Porto Alegre, buscando o número de indígenas, onde estão as aldeias, as políticas de educação e de saúde. Constatamos um grande preconceito arraigado com relação a esses indígenas nos atendimentos hospitalares e como os políticos os veem na cidade. Precisamos, cada vez mais, apresentar essas questões.

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