sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Desintrusão da Terra Indígena Marãwaitesédé, em Mato Grosso, termina em paz

isa
http://www.socioambiental.org/noticias/nsa/detalhe?id=3722

Desintrusão da Terra Indígena Marãwaitesédé, em Mato Grosso, termina em paz
[31/01/2013 15:37]


Iniciada em setembro de 2012, a desocupação da terra do povo Xavante, terminou no último domingo, 27 de janeiro, depois de uma operação considerada bem sucedida pelo governo federal


Depois de realizar um sobrevoo sobre a área da operação, o oficial de Justiça encarregado lavrou o auto de desocupação e o entregou à Funai, na última segunda-feira, dia 28. Encerrou-se assim a primeira fase da desintrusão da Terra Indígena (TI) Marãiwatsédé, um caso emblemático que começou com a retirada dos Xavante da área na década de 1960, dando origem a um empreendimento agropecuário, a fazenda Suiá-Missú. A partir daí, passou por várias mãos, até que em 1992, durante a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), realizada no Rio de Janeiro, a empresa italiana Agip Petroli, dona das terras à época, anunciou que as devolveria ao governo que, então, iniciou a demarcação da área já ocupada por não índios. É que assim que a Agip sinalizou que iria devolver as terras ao governo, teve início a grilagem da área. (veja quadro abaixo com o histórico).
De ocupação tradicional Xavante, a Marãiwatsédé está localizada no leste de Mato Grosso, tem 167 mil hectares, conforme dados do ISA, e foi homologada em dezembro de 1998. (saiba mais)
Desde a Rio-92, vinte anos se passaram até que em maio de 2012, o Tribunal Regional Federal 1ª Região, determinou a desintrusão dos ocupantes. Durante a Rio+20, a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em junho de 2012, no Rio de Janeiro, várias manifestações e debates foram promovidos para pressionar o governo a efetivar a desocupação. Finalmente, em setembro passado, começou a operação conjunta que reuniu a Força Nacional de Segurança, o Exército, as polícias rodoviária e federal, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Prevfogo e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
“Hoje no Posto da Mata não há mais nenhuma construção”, afirma o coordenador geral dos movimentos do campo e territórios da Secretaria Geral da Presidência da República, Nilton Tubino, que esteve à frente da operação. Ele conta que apesar da oposição que tiveram de enfrentar da parte do governo do Estado de Mato Grosso e da Assembleia Legislativa estadual, não houve nenhuma ocorrência mais grave e nenhuma prisão. A imprensa local também criou um clima muito hostil em relação à desocupação noticiando “banhos de sangue” que não aconteceram. Houve alguns confrontos no início, mas as pessoas terminaram saindo voluntariamente. “Apesar de toda a oposição, a desocupação aconteceu com tranquilidade”, avalia.
“Nossa ideia, ao fechar a primeira etapa da desintrusão é fazer um balanço com todos os órgãos envolvidos e uma avaliação. A partir daí, considerando acertos e desacertos, podemos montar um protocolo, com uma rotina de procedimentos, que poderão servir de referência para outras operações semelhantes, levando em conta suas particularidades”.
Pente fino
O sobrevoo realizado pelo oficial de Justiça no último domingo fez um pente fino em toda a área utilizando um GPS e identificou 619 pontos desocupados - 206 no Posto da Mata e o restante na área rural.
Em relação ao total de famílias e pessoas que deixaram a área ainda não é possível precisar um número porque muitas tinham mais de um ponto, outras também tinham um ponto de comércio na vila além de pontos na área rural, causando duplicações. Outras ainda sequer moravam na área.
De acordo com Nilton Tubino, em relação à produção agropecuária, o oficial de Justiça encontrou uma única fazenda de soja, fora da Marãiwatsédé, mas cujo proprietário invadiu uma parte da Terra Indígena para aumentar a plantação. O fazendeiro está encerrando a colheita esta semana e sai da área ocupada.
Além dessa fazenda, foram listadas 32 grandes propriedades com gado. “Todos retiraram seus animais. Em 10, 15 dias, todos sumiram, incluindo o pessoal do comércio de Posto da Mata”, conta Tubino. “Pouco se encontrou de plantação, de roçado. Encontramos também muitas áreas que haviam sido embargadas pelo Ibama por conta de desmatamento e que não tinham sido mais utilizadas”.
A Marãiwatsédé, é considerada a Terra Indígena mais desmatada da Amazônia. Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), dão conta de que até abril de 2012, 68, 8 km2 foram desmatados, área que equivale à extensão de 43 parques do Ibirapuera, em São Paulo. (veja o mapa do desmatamento abaixo e clique nele para ampliar)

Reassentamento e próximos passos
Tubino conta também que o Incra realizou um processo de reassentamento dos ocupantes da Marãiwatsédé. Dos 235 que se cadastraram para serem assentados, 175 foram considerados aptos. O órgão da reforma agrária tem dois projetos de assentamento naquela região do Mato Grosso: o Santa Rita, no município de Ribeirão Cascalheira, com 250 lotes, e o Projeto Casulo, em Alto Boa Vista, chamado PAC Vida Nova, que destina 1 hectare por família para atividades agrícolas, com direito a financiamento para agricultura familiar. Os contemplados pelo Casulo podem realizar outras atividades não agrícolas. De acordo com a Funai, o Casulo receberá inicialmente 30 famílias vindas do Posto da Mata, podendo ampliar a demanda. Para isso, conta com o apoio da Prefeitura Municipal e do Exército na abertura de estradas e outras medidas de infraestrutura.

O mais urgente agora, de acordo com Tubino, é a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) entrar para realizar ações contra a dengue, já que a partir de fevereiro, equipes de trabalho se instalarão na área onde antes era o Posto da Mata.
A Funai já iniciou a identificação dos limites área afixando placas de Terra Indígena e iniciando a fiscalização do fluxo de pessoas e veículos dentro da TI, para garantir a segurança do território e dos indígenas.

A história de Marãiwatsédé

Marãiwatséde é exemplo dos impactos da política de expansão agropecuária em Mato Grosso e da violência estatal e privada contra os indígenas. A ameaça ao território xavante começou na década de 1940, com a colonização do oeste brasileiro iniciada pela Expedição Roncador-Xingu. Logo depois, nos anos 1960, veio a construção da rodovia Belém-Brasília, e em 1961 Marãiwatséde sofreu efetivamente sua primeira invasão: instalou-se naquelas terras a fazenda Suiá- Missú, que chegou a ser considerada “o maior latifúndio do Brasil”, com quase 1,5 milhão de hectares. A fazenda de gado, formada pelo colonizador Ariosto da Riva, passou em 1962, para as mãos da família Ometto e posteriormente foi adquirida pela estatal petrolífera italiana Agip.

Uma das primeiras medidas tomadas pela família Ometto após a posse da propriedade foi remover os índios das proximidades da fazenda em construção. De acordo com relato de um dos funcionários da Suiá- Missú, publicado em 1971 pelo Jornal da Tarde, durante três anos os peões ficaram na mata abrindo picada e cercando o território indígena. “Os Xavante estavam lá, bravos, sem conhecer civilizado. Começamos jogando comidas e presentes de um aviãozinho sobre a aldeia deles, todos os dias, na mesma hora. Tudo isso era para distrair a tribo e fazer os índios ficarem fixos num lugar só, enquanto a gente abria a picada”, contou o empregado não identificado na reportagem. Ainda com o intuito de “amansar” os nativos, segundo conta o peão, o dono da fazenda mandava matar de quatro a cinco bois todos os finais de semana para “agradar” e “acalmar” os Xavante – que posteriormente seriam testados como mão de obra na propriedade. A intenção não vingou. Com o passar do tempo, a conta começou a pesar e os índios viraram um incômodo.

Em agosto de 1966 os donos da fazenda, junto com representantes do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) – órgão federal responsável à época pela execução da política indigenista, depois substituído pela Funai –, fizeram um acordo para a retirada dos indígenas daquela área. A explicação oficial era a necessidade de “salvar” os índios, que estavam sendo cercados e não tinham mais acesso à água na região. Com o auxílio de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), cerca de 300 Xavante foram levados à revelia para a Missão Salesiana São Marcos, 400 quilômetros ao sul de lá, onde moravam outros tantos Xavante já “amansados”. Estima-se que a transferência forçada tenha matado, só nas duas primeiras semanas, mais de 100 índios em uma epidemia de sarampo. Desde então perambularam pelas outras terras xavante até decidirem lutar pela retomada do território tradicional.

Christiane Peres

A Articulação Xingu Araguaia (AXA), da qual o ISA faz parte, produziu um site específico com material histórico e contemporâneo sobre o caso da TI Marãiwaitsédé, que pode ser acessado aqui.

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