segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A SAGA DO JARDIM VITÓRIA


A SAGA DO JARDIM VITÓRIA

~ Teobaldo Witter


foto: mimi


Referiro-me ao termo saga com o significado de “longas histórias de aventuras, incidentes, lutas, derrotas e vitórias, repletas de vidas ignoradas, como as que são vividas nos bairros de Cuiabá”. E o ponto principal é a chegada dos jovens aos centros do consumo.

“Chamou-nos a atenção os corredores completamente tomados por jovens que acabaram de sair de um show no ginásio vizinho da Universidade Federal. Desde a avenida Fernando Correa o trânsito e as calçadas estavam tomados por esses jovens. Via-se que a maioria absoluta vinha dos bairros. Dentro do shopping eles tomaram conta dos corredores. Alegres, ruidosos, brincalhões, irreverentes. Corriam uns atrás dos outros, se empurravam, riam alto, gritavam entre si. Mas, principalmente, diferentes do público rotineiro do shopping”(Onofre Ribeiro, em 21/01/2006, há 8 anos)

Há mais de 8 anos faço trabalho vuluntário, aos sábados, junto a crianças, adolescentes e jovens, no Jardim Vitória. Temos uma pequena casa na rua 29, onde nos reunimos. Há a quadra na escola municipal e um campinho feito pelos jovens, numa área alagada, próxima a rodovia que vai para Chapada dos Guimarães. Às vezes, lotamos um ônibus e passamos um dia de sábado, em Chapada dos Guimarães ou no bairro Bom Jardim.

Os conteudos tem sua base na fé, na cidadania, na comunhão e na educação para a liberdade. Cantamos, contamos histórias, oramos, brincamos, jogamos futebol, xadrez, dominó e brincadeiras de roda.

Durante estes 8 anos, participamos de discussões importantes para o bairro, junto com as associações de moradores do Jardim Vitória, Florianópolis, Figueiredo e outros. Ouvimos promessas de melhorias para os bairros. Acompanhamos com entusiasmo o início das obras do PAC. E com tristeza vimos e vivemos os estragos destas obras que foram maiores do que o benefício para o povo.

Indignados com o que vimos e ouvimos em relação a estas obras mal iniciadas, mal feitas e mal acabadas, fomos até a prefeitura, onde nem fomos recebidos. Fomos ao Ministério Público Federal, onde fomos recebidos. Mas fomos informados de que nada poderia ser feito, porque ouve duas decisões judiciais contraditórias que transformaram tudo num embrulho. QUE JUSTIÇA É ESTA?

Enquanto isso, o povo daqueles bairros vivem em meio a ruas intransitáveis, esgoto correndo a céu aberto, mosquitos, se diverte em campinhos de lama e se defende como povo do assédio de traficantes.

Os ônibus, desde às 4h da madrugada, saiem de lá lotados, principalmente por mulheres, que vão para o trabalho. À tarde, já às 16h, muitos homens se sentam nos bares para tomar um trago. A criançada toma conta das ruas, em caminhadas para cá e para lá.

Os modernos meios de comunicação não foram capazes de melhorar a qualidade de vida desta amada gente. Foram, no entanto, capazes de fazê-lo entender que tem mundos, sociedades e vidas diferentes. Infelizmente, não são capazes de educar para a liberdade. Pelo contrário, educam para o consumo. E o consumismo aliena as pessoas. As escravisa. Mas, descobrindo o mundo do consumo e educado para ele, tem o direito de usufrui-lo, quer eu goste disso ou não.

Onofre continua sua análise: “Imagino que sejam jovens moradores em bairros, onde padecem de falta de lazer, de boas escolas, de boa saúde, de bom saneamento e de outros bons serviços públicos. Suas famílias, provavelmente, têm alguma dificuldade financeira ou, vivem numa margem estreita de renda. O seu modo de vestir revela bem isso. É bastante modesto e como é uniforme na média entre eles, pode-se imaginar renda semelhante. Como aqueles cinco mil jovens que saíram do show conseguem ocupar grandes espaços rapidamente!”

Quando Onofre escreveu, há 8 anos, era ano de eleições. E pergunta: como falar com esses jovens, eleitores na sua maioria absoluta? O que eles querem dizer aos candidatos políticos? Certamente, o que eles menos querem é ouvir, porque o figurino político tradicional não é que lhes cabe. Mas, seguramente, não gostaria de estar na pele dos candidatos que terão obrigatoriamente que pedir-lhes o voto, sem os conhecerem e sem saber, sequer, o que dizer-lhes, porque não saberiam compreendê-los para poder ouví-los.

Oito anos se passaram. Já tivemos duas eleições municipais. Teremos, em 2014, a terceira eleição Estadual e Federal. Os candidatos já prometeram muito. Mas só moradores do Jardim Vitória continuam com ruas quase intransitáveis, esgoto a céu aberto, mosquitos, escacez de água tratada, jogando bola em campinho improvisado, sofrendo assédio de traficantes. Candidatos a cargos públicos que sabem fazer promessas, mas não sabem dialogar, porque não só compreendem.

Quando as coisas apertam, chamam a polícia e o judicário para resolver problemas que por falta de capacidade e de interesse não são resolvidos com políticas públicas integrais. Até quando devemos aguentar esta hipocresia?

Teobaldo Witter, Pastor na IECLB, Professor Universitário e Ouvidor de Polícia

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