segunda-feira, 26 de maio de 2014

Resistência contra remoções truculentas chega às vésperas da Copa com conquistas

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[REPORTAGEM] Resistência contra remoções truculentas chega às vésperas da Copa com conquistas
Marcela Belchior
Adital
Foto: direitoamoradia.org
Remoções ou ameaças de remoções violentas e com sistemática desinformação, sem negociações niveladas ou garantia de moradia permanente e integrada tem marcado o contexto de cerca de 250 mil pessoas em todo o Brasil por conta de projetos da organização da Copa do Mundo FIFA 2014. Esta será realizada de 12 de junho a 13 de julho no Brasil. A política elitista na intervenção urbana, no entanto, se depara com uma mobilização social que resiste há anos à violação de seus direitos básicos.
Segundo Rosilene Wansseto, representante da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP), em entrevista à Adital, a resistência dos moradores ameaçados em parceria com organizações sociais diversas tem minimizado os danos dos projetos dos governos federal e estaduais nas 12 cidades-sedes do evento esportivo. Em várias delas, os questionamentos da população conseguiram barrar a efetivação das remoções, aumentar o valor das indenizações ou mesmo modificar o projeto inicial que exigia o desalojamento de tanta gente.
"A principal vitória é a articulação nacional fazendo um trabalho de denúncia e defesa dos direitos e levando essas questões à sociedade”, avalia Rosilene. Segundo ela, nas próximas semanas, será lançado mais um dossiê sobre as violações aos direitos humanos ocorridas ao longo dos últimos anos em função dos preparativos para o Mundial. Reunindo dados sobre as 12 cidades-sede do evento, o documento debaterá o desrespeito a direitos fundamentais dos brasileiros, como moradia adequada, trabalho, participação política e equilíbrio com o meio ambiente.
É o caso das 153 famílias que viviam na comunidade Restinga, no Rio de Janeiro, cujas casas e comércios foram demolidos sem aviso prévio pela Prefeitura do Município. As remoções foram feitas em 2010 para ceder espaço às obras de alargamento da Av. das Américas, no bairro do Recreio dos Bandeirantes, necessárias para a instalação do BRT Transoeste (corredores de ônibus). Até agora, os moradores receberam um valor irrisório como indenização e os comerciantes nenhuma indenização.
Em Recife, Estado de Pernambuco, mais de 200 famílias foram removidas para as obras de ampliação do Terminal Integrado de Camaragibe e do Ramal da Copa, no Loteamento São Francisco. Unindo-se a lideranças de grupos estudantis, políticos e de usuários de transporte, os atingidos exigem o pagamento das indenizações pelas casas demolidas, auxílio moradia e a construção de um conjunto habitacional no local de onde foram desapropriados para abrigar aqueles que deixaram de ter casa própria.
Foto: ReproduçãoJá em Fortaleza, o Veículo Leve Sobre Trilho (VLT), obra que investe cerca de R$ 279 milhões (proporcional a US$ 126 milhões) e que promete mobilidade urbana atravessando 22 bairros do município, instalou desde 2009 um embate entre as comunidades atingidas e o poder público e nem mesmo ficará pronta para seu usufruto já durante o Mundial.
A confeiteira Cássia Sales (42), que viveu a vida inteira na comunidade Trilha do Senhor, em um dos bairros atingidos pela obra do VLT, prepara sua mudança para uma localidade em outra região da cidade. Em entrevista à Adital ela afirma que, depois de cinco anos de resistência, hoje, boa parte dos moradores já foi removida e outra prepara suas malas com uma indenização irrisória ou nem isso, barrada pela burocracia estatal. "Para receber o valor deve-se estar quite com o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e nem todos dispõem desse dinheiro”, explica.
Já o professor Thiago Souza (25), que vive na comunidade Caminho das Flores, no bairro Parangaba, com os avós, outra parcela da população atingida pela obra, conta à Adital que a mobilização social conquistou algumas vitórias na negociação, como a diminuição da área removida e o aumento do valor de indenizações. Quanto ao atraso na entrega da obra, ele comenta: "Se o governo viu que o projeto não iria terminar para a Copa, poderia ter retirado da matriz de organização da Copa e ter negociado com mais calma com os moradores”, critica.
A Articulação Nacional de Comitês Populares da Copa (ANCOP) conta com o apoio de várias organizações sociais em defesa dos direitos humanos. Já submeteu denúncias inclusive à Organização das Nações Unidas (ONU), que serviram de base para a Resolução 13/2010 sobre megaeventos e direito à moradia, para duas cartas sobre o tema (em 2011 e 2012) da ONU dirigida ao governo brasileiro, além de gerar recomendações específicas do Conselho da ONU ao Brasil durante seu encontro, em maio de 2012. No ano passado, conseguiu um momento de fala durante uma das sessões do Conselho, expandindo ainda mais a divulgação sobre os casos.

Marcela Belchior

Jornalista da ADITAL

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