quinta-feira, 26 de junho de 2014

Um Leão sem dentes

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Um Leão sem dentes

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Na madrugada de 21/06, mais de 800 pessoas ocuparam terreno no Morumbi.
Sem-teto erguem barracas diante de torres luxuosas no Morumbi. “Milhares de pessoas vivenciaram o fracasso deste sistema em prover a elas seu direito a uma casa”, diz Boulos. Foto: Mídia Ninja
Coordenador nacional do MTST responde a articulista da Folha: “mau jornalismo, opiniões conservadoras e boa dose de caráter duvidoso”
Por Guilherme Boulos
A grande arma de um leão são os dentes. A de um jornalista são os argumentos. O jornalista Leão Serva demonstrou em seu artigo hoje na Folha de São Paulo não ter dentes nem argumentos. O fato de seu fraco artigo ter visibilidade num jornal de circulação nacional só pode explicar-se pelo fato de ter sido ele Secretário de Redação deste jornal.
Do início ao fim, seu texto “A Copa dos Sem Teto com Teto” está recheado de análises preconceituosas recolhidas diretamente do senso comum e de fatos inverídicos. É um ataque raivoso ao MTST e a mim particularmente.
No campo da análise, diz que o MTST não deseja teto ou moradia para seus participantes, mas sim marketing político. Supõe com isso que os participantes do Movimento seriam manipulados por líderes interesseiros. É preciso compartilhar do sentimento elitista de superioridade para imaginar que a adesão cada vez maior de milhares de trabalhadores sem-teto ao MTST seria por ignorância dos pobres incautos.
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Estas milhares de pessoas que participam de ocupações nos centros urbanos brasileiros já vivenciaram — ao contrário do Sr. Leão — o fracasso deste sistema em prover a elas seu direito mais fundamental a uma casa. E fazem ocupações por perceberem, pela experiência do desenvolvimento urbano no Brasil, que esta é a única forma de os mais pobres conseguirem acessar este direito.
O MTST não criou esse fato. Diante dele, busca organizar e dar um direcionamento político ao conflito. Político no sentido de encontrar soluções pelo enfrentamento político contra aqueles que impedem e historicamente impediram que os mais pobres tivessem qualquer direito nesse país. Marketing, diz o Leão. É compreensível que aqueles que só conseguem pensar a política como propaganda e marketing — digno de quem foi assessor de comunicação da gestão de Kassab na cidade de São Paulo — confundam estratégia política com busca de “flashes”.
Seu texto resolveu também filosofar sobre centro e periferia. Além de incompreensão das dinâmicas urbanas deu ainda um espetáculo de desinformação.
Desde a década de 1980 as grandes metrópoles tornaram-se policêntricas. Este fenômeno foi estudado com grande propriedade pelo geógrafo Mark Gottdiener e pela corrente da “produção social do espaço urbano”. Inicialmente verificado nos Estados Unidos e na Europa, o fenômeno das metrópoles policêntricas se espraiou para a Ásia e América Latina. São Paulo é um caso exemplar.
Acreditar que uma cidade de 11 milhões de habitantes tenha uma única região que concentre serviços, comércio e infraestrutura urbana é de uma ingenuidade própria de quem nunca saiu dos Jardins e idealiza as periferias urbanas.
Várias das ocupações organizadas pelo MTST — inclusive a Copa do Povo, mencionada no artigo — estão em regiões de expansão de serviços e da especulação imobiliária. É o caso das ocupações do Campo Limpo, da Faixa de Gaza e Portal do Povo no Morumbi e de Itaquera.
Aliás, só quem nunca esteve em Itaquera para dizer que dali para o centro velho da cidade demora-se duas horas. Talvez ele estivesse considerando as panes frequentes do metrô gerido pelo governo tucano ao qual serviu como assessor na Prefeitura de São Paulo.
Entrando então no campo das informações o Leão se supera incrivelmente. Diz que a Ocupação Copa do Povo está localizada numa área verde. Na realidade, o zoneamento atual da área é industrial e ela está integralmente fora da APA do Carmo, que é a reserva verde daquela região.
Diz ainda que os movimentos sem-teto arrecadam muito dinheiro, por cobrarem mensalidades. Desafiamos o Leão sem dentes a comprovar uma só palavra desta sua afirmação. O MTST não cobra nem nunca cobrou mensalidade de seus membros. Qualquer um que visite uma ocupação pode verificar isso facilmente com seus olhos. E perante o assédio da imprensa a nossas ocupações nos últimos meses, é estranho que tal “furo” não tenha antes vindo à tona. Falta de interesse dos jornalistas de Veja,Estadão ou Folha não seria. É que talvez nenhum deles tenha tido a sem-vergonhice de mentir desta forma.
Enfim, mau jornalismo combinado com opiniões conservadoras e uma boa dose de caráter duvidoso dão nisso. Não costumamos no Movimento responder textos desta envergadura. Dizem que dá azar. Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino vivem acusando o MTST por aí. Não achamos que valha a pena o tempo de resposta. Mas o Leão, rei da selva conservadora, ultrapassou desta vez os limites da hipocrisia.

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