sábado, 7 de março de 2015

Resistir também é lutar

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Resistir também é lutar

Ministro do Supremo Tribunal Federal altera conceito de terra tradicionalmente ocupada para dificultar novas demarcações de terras indígenas
Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki (Wikimedia Commons / Creative commons)
Em recente decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o conceito de terra tradicionalmente ocupada foi violentamente atacado. O ministro do STF Teori Zavascki afirmou que “renitente esbulho [tomar posse do que pertence a outrem, insistentemente] não pode ser confundido com ocupação passada ou com desocupação forçada”. Segundo o ministro, apenas em caso de conflito contínuo por posse, seja armado ou judicial, caracterizaria-se o despojo constante de direitos e territórios tradicionais indígenas.
Em 2009, no processo de demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima, os juízes do STF elegeram a data de promulgação da Constituição Federal (1988) como marco temporário para caracterizar a referida tradicionalidade sobre a terra, ressaltando, no entanto, o chamado “renitente esbulho” como fator para os índios não habitarem todas as suas terras tradicionais. Essa ressalva, em teoria, garantiria o direito dos povos tradicionais às suas terras, mesmo não vivendo nelas naquele marco temporário. Com a decisão do ministro Zavascki, a garantia “subiu no telhado”.
Fosse a interpretação do ministro levada ao pé da letra, os índios deveriam estar presentes fisicamente em suas terras no ano de 1988, inclusive naquelas ocupadas por fazendeiros e grileiros, lutando contra armas de fogo para caracterizar o “esbulho”. Ou seja, na leitura do ministro, só a guerra física legitima a jurídica.
Para Danicley Aguiar, coordenador da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil, a interpretação de Zavascki está equivocada: “os índios nunca desistiram dos territórios que foram ocupados. O renitente esbulho é regra e foi construído para resolver o princípio do marco temporário. Um juiz não pode dizer para um índio que não tem condições de luta, recursos financeiros ou um advogado que ele não lutou, que ele desistiu”.
Segundo Aguiar, além de injusta com a resistência histórica dos povos indígenas do Brasil, a interpretação abriria espaço para que grandes áreas de floresta griladas de Tis na Amazônia sejam beneficiadas e juridicamente incorporadas ao agronegócio brasileiro.
O que apenas incentiva o trabalho de grileiros e posseiros, segundo Cléber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). “A decisão fala para os inimigos dos povos indígenas que vale a pena usar do mecanismo de desocupação forçada. Os esbulhos que foram cometidos há tempo – e ainda são até hoje – serão validados perante a lei”, completou ele.
A resistência do Povo Xavante (Mato Grosso) é um exemplo de que a decisão do ministro não condiz com a realidade. Na década de 1960 os Xavante foram retirados à força de seu território, abrindo espaço para a invasão de latifundiários e posseiros. Empresas multinacionais compraram terras dentro do ancestral território indígena – hoje a homologada TI Marãiwatsédé – e fazendeiros ocuparam a área até janeiro de 2013, quando um auto da Justiça obrigou sua desintrusão. Vale lembrar que daquela época em diante, cerca de 90% da terra foi desmatada – ela é considerada um dos territórios mais destruídos da Amazônia.
“É uma decisão totalmente articulada com outros poderes. Eles tentam colocar isso como interpretação, mas é uma decisão politica para inviabilizar o processo de demarcação de Terras Indígenas”, afirma Sonia Guajajara, liderança nacional indígena que integra a coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Para ela, “o próprio Judiciário está incitando o conflito. Nem sempre os povos indígenas lutaram com armas. Nem sempre lutar significa estar em conflito, para nós. A saída dos territórios, muitas vezes, se deram por pura expulsão”.
As articulações da bancada ruralista que, em paralelo, reaviva a PEC 215 no Congresso Nacional, estão chegando em outras esferas de poder além do legislativo. “O lobby já chegou no Judiciário. Não são mais decisões a partir da análise jurídica, e sim de teor político. O agronegocio está espalhado nos três poderes”, avalia Sonia.
“O índio não precisa estar com o arco e flecha na mão, apontado para o fazendeiro, para ser válida sua luta”, conclui Danicley Aguiar.
A Funai (Fundação Nacional do Índio) foi intimada a apresentar parecer sobre a decisão, que ainda deve ser analisada pelos outros ministros que formam o pleno do STF. Caso esse plenário mantenha a decisão, pode haver um recrudescimento dos conflitos, levando a ainda mais mortes no campo.
Fonte: Greenpeace Brasil

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